01 Ago 2017 | Poemas e Poetas | Licínia Quitério
RUI KNOPFLI (1932-1997), nasceu em Moçambique onde viveu até se fixar em Londres, em 1972. Assume-se como continuador da lírica ocidental de Camões, Carlos Drumond de Andrade, Fernando Pessoa, T. S. Eliot. A sua linguagem é rigorosa, distanciada das correntes literárias da época. Sendo um poeta de voz essencialmente urbana, acaba por se sentir desolado com o cosmopolitismo intenso e intensificar o sentimento de exílio. A sua sólida obra poética está coligida no volume “Memória Consentida-20 Anos de Poesia e O Corpo de Atena”. Do livro “O ESCRIBA ACOCORADO”, aqui fica o poema com o mesmo nome.
Sentado na pedra de ti próprio,
não tens rosto, senão o que,
de anónimo, a ela afeiçoou
a mão que assim te quis. Do resto,
do que de individualidade, porventura,
em ti existiria, se encarregou
a persistente erosão dos dias. De vago,
neutro olhar sem órbitas, permaneces
hirto, fitando sempre mais além
da morna penumbra que te envolve
no halo intemporal que é, do tempo,
o nexo único. Nesse olhar
de não ver tudo se inscreve,
repensa e adivinha: teus limites
e, ainda, o que excederia tua humana
estatura. Sem contornos, em sombra
e sono te diluis no que, de ti,
nunca saberemos. Porém, límpida
e escorreita, até nós chega a laboriosa
escrita que no papiro ias lavrando.
——————————-
Nota – “POEMAS E POETAS” vai de férias em Agosto. A Poesia, essa, não obedece a calendários. Boas férias para os seus leitores.
Licínia Quitério